Amândio Rodrigues – Diretor Agrícola
Em 1987, Portugal vivia tempos de glória no desporto, com Rosa Mota a sagrar-se campeã do mundo de maratona em Roma, o Futebol Clube do Porto a levantar o troféu de Campeão Europeu de Futebol enquanto conquistava a Taça Intercontinental na mesma modalidade. Na política, o 11º governo pós 25 de Abril era constituído por Aníbal Cavaco Silva e Portugal, recém-entrado na CEE, realizava as primeiras eleições para eleger 24 deputados para o Parlamento Europeu. No mundo do vinho, fundava-se o Instituto da Vinha e do Vinho (IVV), sucedendo à Junta Nacional do Vinho. Nesse mesmo ano, Amândio Rodrigues, atual Diretor Agrícola do Esporão, chegava ao Alentejo para o primeiro estágio, naquele que viria a ser um trabalho – uma paixão – para a vida inteira.
Amândio Rodrigues, transmontano de gema, alentejano no sotaque, nasceu e estudou em Vila Real, mesmo “à porta de casa”, como conta. Formou-se em Enologia e, para fugir de Vila Real, quis estagiar o mais longe possível de casa. A viagem, lembra, “foi cheia de aventuras, porque achava que ia para o fim do mundo”. Nunca tinha passado a linha a sul de Lisboa e entre autocarros, comboio e táxis, deparou-se com uma paisagem diferente daquela que o vira nascer. Encontrou uma paisagem tipicamente alentejana, com 1840 ha, “o que para um duriense era algo estranho”, surpreendido pela dimensão e cor. Nas palavras do mesmo, “apaixonei-me pela propriedade”, e aquilo que parecia longe, depressa se tornou a sua segunda casa.
Quando Amândio entrou para o Esporão estava longe de imaginar que acompanharia várias fases de uma empresa pioneira na natureza. Depois do estágio passou a trabalhador efetivo. “Sempre gostei da parte de investigação sobre fermentações e microbiologia, mas naquela altura não havia oportunidade. Surgiu então a viticultura e comecei aos fins de semana. Como morava na herdade, durante o fim de semana acompanhava o Joaquim Bandeira nas idas à vinha. Perceberam o meu entusiasmo com a terra e desafiaram-me”, conta. Viu a adega ser construída e fez parte dessa construção, mas foi rapidamente desafiado a assumir a componente agrícola, mais tarde como Diretor Agrícola da Herdade do Esporão.
Os inícios adiados também fazem parte da história
Amândio Rodrigues está na génese de Monte Velho. Conta a sua história, e como faz parte dela, com um sorriso de orgulho indisfarçável, como quando um pai vê crescer um filho. O vinho tornou-se referência alentejana, resultado de um trabalho de detalhe e confiança com produtores de uvas das várias sub-regiões do Alentejo. Tudo começou no ano em que deveria ser lançado e, por questões que implicaria a não certificação total das uvas, decidiram só lançar o vinho na colheita seguinte, em 1992 – “esta questão de começar devagar foi logo na origem, como não estava tudo pronto esperámos, para ter a certeza de que era um projeto que tinha de começar devagar, e acima de tudo com alicerces”.
Amândio lembra um início em que “todos tocavam os instrumentos todos”, como quem diz, eram poucos e por isso tinham de saber um pouco de tudo. Recorda o primeiro rótulo que apresentava o Monte Velho do Esporão, um edifício pequeno que existia dentro do parque de máquinas, o edifício mais velho depois da Torre do Esporão. Os outros rótulos aparecem-lhe na memória, assim como o entusiasmo por ver crescer uma marca que “dava vontade de fazer cada vez mais”.
Há algo que Amândio faz questão de reforçar com ênfase, a base de Monte Velho, aquilo que mais intrinsecamente está ligado ao seu trabalho: a relação com as uvas, não só do Esporão, mas também dos fornecedores.
Ser Diretor Agrícola: um desinstalar constante, para acompanhar a natureza
Um diretor agrícola conhece a natureza com o corpo todo, “gere toda a operação rural, floresta e ecossistemas, gestão do departamento, orçamentação, pesquisa de novas técnicas”. Resumindo, anda num “desinstalar constante pela procura de novas soluções que respeitem a natureza”. Com o Monte Velho, Amândio acompanha o estado de evolução das vinhas dos fornecedores, percebe as dificuldades de cada ano agrícola, ajuda a encontrar soluções, mantendo proximidade com a uva para entender que tipo de vindima a sua equipa terá pela frente. A relação com o enólogo, com quem se encontra diariamente, e com quem calcorreia as vinhas pelo menos uma vez por semana, é fundamental.
“Monte velho tem a particularidade de ser as uvas, desde que foi criado”, sublinha Amândio, não fossem elas fruto de uma relação de empatia e compromisso criada com os fornecedores, que se mantêm desde o início – “Vamos mantendo a parceria com a maioria, e isso faz com que se mantenha a filosofia, percebendo aquilo que queremos. Valorizamos a qualidade em detrimento da quantidade e, por isso, mantemos parcerias há mais de vinte e cinco anos”. As relações são de confiança mútua, sentindo as vinhas dos outros como se fossem também suas. Acompanham o desenvolvimento da vinha, trocam impressões e ideias. Em alguns casos são sugeridas práticas agrícolas, mas as visitas são constantes, com mais periodicidade e pormenor na altura da pré-vindima, para entender o estado de maturação e perceber o ponto exato em que devem ser apanhadas.
É certo que um vinho com o sucesso de Monte Velho só pode resultar do empenho de muitos, e Amândio, que segue ao leme há tantos anos, não tem dúvidas de que manter as características do produto, castas, geologia dos solos e os parceiros são essenciais. O resto é o saber escutar o que está à volta, “há respeito pela natureza e pelo seu ritmo, as condições climáticas mudam e nós ajustamo-nos”. Há uma espera e um controlo de maturação muito regular e Amândio acrescenta que, a partir do momento em que são recolhidas amostras, “temos calma”, não existe pressa nem a necessidade para colocar uma quantidade fixa na adega. Só quando a uva está pronta é que entra, “há respeito pelo tempo de maturação e pela qualidade que a uva vai atingir”, conclui.
Talvez, um diretor agrícola utilize, mais do que qualquer pessoa nesta equação de criar um vinho e a sua história, os seus cinco sentidos, polidos a detalhe e amor pela terra.
32 anos de um projeto marcadamente alentejano, que é para sempre.
Fazer parte do crescimento de um filho, é sorrir com olhos orgulhosos, só de o ter à sua frente. Amândio sente orgulho cada vez que vê Monte Velho exposto ou alguém o bebe na mesa ao lado. Acompanha-o há trinta e dois anos sem perder o brilho nos olhos. O que mais gosta no seu trabalho, é “o estar no meio da natureza, acordar e tê-la logo ali”.
Monte Velho é um vinho que mantém as características do Alentejo, um vinho com tipicidade que há mais de trinta anos transporta em cada garrafa as características da terra, das castas autóctones, do saber de quem o viu crescer. Amândio garante isso e acredita que é “um vinho para sempre, para continuar”. Enquanto transmontano que nunca tinha saído da terra, teve de conhecer (e continua) a natureza de um sul interior, com a palma das mãos de quem foi conhecendo, mas também com a curiosidade das suas. Quando questionado sobre se gostaria de fazer vinho noutros lados, mencionou a costa alentejana, pelo desafio do mar, e os seus Trás-os-Montes, por ter tanto por descobrir.