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Catarina Fornecedora de uvas

 Trabalhar em conjunto. Ser um parceiro de dança, com objetivos comuns.

Catarina Maurício – Fornecedora de uvas

Sempre que partimos sem expetativas formadas, sem saber muito sobre um lugar, a sensação de deslumbramento revela-se mais fácil e genuína, deixando que os nossos sentidos se deixem encantar pelo milagre de ver e conhecer algo pela primeira vez. Foi o que aconteceu a Catarina Maurício, natural de Lisboa, uma das atuais fornecedoras de uvas para o Monte Velho. No segundo ano na licenciatura em Agronomia, no Instituto Superior de Agronomia, foi convidada a visitar a Herdade de Santa Clara, em Terena, Alentejo. Foi amor instantâneo. Aquelas perguntas naturais de alguém que está a começar a vida pareciam ter encontrado resposta naquele local, e depressa percebeu que esta herdade passaria a ser o seu projeto de vida.

O campo não lhe era estranho, afinal cresceu entre adegas e vinhas. O seu avô foi senhor de uma casa antiga, com adegas e depósitos subterrâneos, e o seu pai comerciante de vinho a granel. “O mundo das vinhas e vindimas esteve sempre na minha pele, é uma realidade que me esteve colada desde a infância”, lembra Catarina. Chegou ao Alentejo há quase 23 anos, e nele encontrou uma “luz própria”, como define. “É aquele cheiro quente, aquela bondade, a pacatez própria que faz com que não demos pelo tempo passar, quase uma contradição. O olhar e a calma das pessoas e de tudo o que se faz, como se fala. O Alentejo para mim é um modo de vida diferente”.

Na Herdade de Santa Clara descobriu o Alentejo da sua calma. Descobriu também uma cultura da vinha que depressa percebeu ser única. Segundo conta, a herdade tem um terroir muito diverso, “tanto temos barro, como daqui a dois talhões temos Trincadeira implantada em xisto”, dentro da mesma propriedade. Chegou a produzir o seu vinho e a vê-lo em prateleiras, mas a vida familiar ocupou o tempo e “entre viticultura, enologia e a maternidade, não houve dúvidas”. Todos os dias tenta ser “a melhor versão de mãe” e dar o seu melhor na viticultura. Com um pé em cada um dos dois mundos, encontrou o seu equilíbrio. A vinha é um verdadeiro desafio. “É fazer chegar à adega a melhor versão de uma cepa e confiar o testemunho ao enólogo. Mas, de facto, o início está aqui na terra. Apraz-me muito saber que contribuo da melhor maneira que sei”.

Em 2014, a Herdade de Santa Clara começou a produzir uvas para o Esporão, destinadas a Monte Velho. Foi assim que começou uma relação com quase 10 anos.

Ser produtora é ser parceira, gerir aquilo que a natureza traz.

O Monte Velho é feito com uvas provenientes de várias regiões alentejanas. Tem características da região preservadas por fornecedores como a Catarina. Mas esta relação não se limita a um “fornecimento”. Existe um objetivo comum, o de ter as melhores uvas que dão origem a um vinho que expresse o Alentejo, é criada uma relação de parceria. “A palavra fornecedor implica um fornecimento nu e cru, e a verdade é que a nossa parceria se transporta ao longo de toda a campanha vitícola, ao longo de um ano inteiro. O Esporão faz-me sentir uma verdadeira parceira, no fundo, há um sentimento de que estamos a trabalhar para um objetivo comum”.

A relação entre o parceiro e Monte Velho faz-se com “o Engenheiro Amândio” que está sempre “à distância de uma chamada”, numa ligação quase diária que cria sinergias e esclarece as dúvidas que possam surgir. Este caminho trouxe também o ser biológico – “Sentia que esta vinha tinha condições ideais para se tornar biológica, pelas condições climáticas, terroir, pragas, doenças e castas. Por outro lado, como desafio profissional e pessoal, estando há tantos anos a trabalhar com produção integrada, não fazia sentido não me colocar à prova. Por último, a consciencialização do futuro. Fazia sentido olhar para os meus filhos e ter esta vertente de vida. Tal como ensinamos os miúdos a reciclar, a cuidar do meio ambiente, fazia todo o sentido alargar esta visão para esta natureza”. Esta natureza de que fala, é a mesma que gere, que lhe traz surpresas e a coloca à prova.

Durante esta conversa com a Catarina, estamos na Herdade de Santa Clara e há uva a ser colhida para seguir direta para Monte Velho. O que segue com destino à Herdade do Esporão vem deste caminho de escolhas, de uma experiência que vem do seu tempo enquanto enóloga e que lhe traz a consciência de que “quando não entregamos um bom produto, o enólogo pouco mais pode fazer”, por isso, “só quer entregar o melhor que naquele ano conseguiu, com as condições que a natureza proporcionou”. Esta relação é um “desafio bom”, são os desafios que inquietam. Foi assim que a ensinaram, “tenho para mim que só crescemos quando nos inquietam, quando ficamos desconfortáveis, seja na busca, na maneira de ultrapassar”.

Dar-nos à vinha e à uva. Só assim as coisas resultam.

Produzir uvas com seriedade tem sido o mote de Catarina durante estes anos. Sabe que cada vindima é responsável pela cultura do vinho que tanto gosta e da qual foi tem feito parte ao longo dos anos – “Gosto de provar vinhos. O vinho, tal como o azeite, está entrosado na nossa cultura, dois pilares culturais da nossa gastronomia”.

Em cada garrafa de Monte Velho vê e sente as vindimas de Santa Clara. Vê-o com orgulho, “com carinho”, porque acaba por “encerrar ali, ainda que apenas uma percentagem, os propósitos, anseios, decisões e história” daquele lugar. Quem ouve Catarina falar, e trabalha com ela no dia a dia, entende-lhe a paixão pelas terras da qual parece ter sempre feito parte – as vinhas e o Alentejo. “É tudo energia”, esclarece, “e as coisas só resultam se nos alinharmos com o contexto energético que nos envolve”. Por isso, para si, não há dúvidas de que o Alentejo e todo o envolvente que agora criou, “é exatamente esse contexto e temos de nos alinhar nele, só assim nos damos à vinha e à uva, só assim as coisas resultam”.

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